Por: Marcelo Rissi
E-mail: marcelorissi1987@yahoo.com
Ao longo dos finais de semana do mês de agosto de 2023, a cidade de Indaiatuba sediou o seu 21º Festival de Rock, promovido pela sua secretaria de cultura.
“Os objetivos do Festival de Rock de Indaiatuba são incentivar a composição e produção musical; direcionar o interesse da população e mostrar a importância da arte como fonte de cultura e lazer; aprimorar e desenvolver a cultura musical, promovendo um intercâmbio artístico; e revelar novos talentos”.
Conforme o esquema tradicional da competição, as bandas inscritas apresentam, nos primeiros finais de semana, no palco do evento — realizado no espaço Pavilhão Viber –, sua música autoral, ao longo de dias repletos de shows. O evento é sempre gratuito e aberto ao público.
Nas primeiras semanas, o torneio tem caráter eliminatório. Nessa etapa, os jurados escolhem 10 (dez) bandas. As bandas eleitas nessa primeira fase tocam novamente, ao longo do último dia do evento, e disputam as respectivas premiações, reservadas às categorias “três melhores participantes”, “melhor intérprete” e “melhor composição”.
Para incrementar, ainda mais, o prestígio dedicado ao evento, bandas tradicionais e consolidadas na cena — que, evidentemente, não participam da disputa — são convidadas para o fechamento de cada dia de festival, com seus shows.
Nesse ano de 2023, precisamente no dia 20 de agosto — um domingo, data reservada à etapa final do evento –, o conjunto convidado para encerrar a noite foi, ninguém menos, que o power trio gaúcho de irmãos Krisiun (nas semanas anteriores, tocaram a banda Golpe de Estado e o cantor Marcelo Nova, conforme cronograma do evento).
Reafirmo, com habitual frequência, minha paixão pelo metal nacional. Não poderia, assim, deixar de prestigiar o evento, oportunidade única — ou, ao menos, bastante rara — aqui no interior. Afinal, conjuntos dessa envergadura, como o Krisiun, não vêm sempre às nossas vizinhanças (esse foi, aliás, o primeiro show da banda em Indaiatuba).
Esperançoso com a chance de conhecer o conjunto pessoalmente — ciente de que os membros do Krisiun são conhecidos não apenas pela técnica acuradíssima, mas também pela educação e respeito aos fãs e, ainda, pelo fácil acesso –, comprei, em disco/LP, o material mais recente deles, Mortem Solis, na expectativa de conseguir um autógrafo, uma foto e um dedo de prosa com eles. Aquele típico clichê de fã (que, confesso, não abandono).
Ao fim da tarde daquele domingo, rumei ao espaço do evento — Pavilhão Viber –, local de fácil acesso na cidade. Escolha certeira, aliás.
Cheguei um pouco antes das 17h30min, ao final do penúltimo show das bandas em disputa. Nesse ano de 2023, os jurados elegeram, excepcionalmente, 12 (doze) bandas à disputa final, em vez de 10 (dez).
Às portas do local, logo reencontrei, por acaso, alguns amigos que não via há algum tempo. E, ao longo da noite, vários outros. Isso, evidentemente, tornou o evento, num aspecto pessoal, ainda mais especial.
Combinei de me juntar a alguns amigos naquela noite de evento, entre eles, o Marcelo Magosso (idealizador desse espaço Rock Show e um dos meus melhores amigos) e o Adriano Martins (do canal do Youtube DRIssonante e amigo bastante próximo também). Ambos, por sinal, com conhecimento musical enciclopédico.
Assim que chegamos e nos reunimos no local, aguardamos por poucas horas pelo evento principal. Nesse intervalo, preenchemos o tempo com boa conversa, com ótimos (re)encontros entre amigos e, claro, prestigiando as bandas que se sucediam no palco.
Ao final do último show dos competidores, os jurados emitiram seu veredito, anunciado ao palco, com entusiasmo, pelo empolgado locutor.
Encerrada a competição, com a entrega de todas as premiações para os vencedores das diversas categorias em disputa, aproximava-se, então, o momento da atração principal, ansiosamente esperada. O palco começou a ser ajustado para o grand finale: o aguardado show do Krisiun. Acheguei-me, nesse momento, à respectiva grade, próxima de onde consegui acompanhar todo o show, com ótima visibilidade.
Após alguns poucos arranjos (no palco e no som), que não demoraram, o letreiro ao fundo, acendido, anunciou, luminosamente e em cores vivas, o início do show. O Krisiun, então, com toda a sua imponência, assomou aos olhos do público, que compareceu em peso naquele domingo à noite e, assim, deixou repleto aquele espaço de eventos.
E a lotação, não à toa! Afinal, o Krisiun é uma banda veterana na cena — com quase três décadas de existência — e largamente (re)conhecida não apenas pela intensidade e peso de sua música, mas, também — aliás, sobretudo –, pela técnica precisa e acurada, quase cirúrgica, de suas composições. Não por outro motivo, aliás, Bill Ward — baterista do Black Sabbath –, indagado sobre seus álbuns favoritos de heavy metal (gênero e subgêneros), indicou, entre as escolhas, o Southern Storm, do conjunto. É pouco?
Regressando ao evento.
O show começou por volta das 19h40min. Aos brados de uma plateia calorosa, entusiasmada e enérgica, que vozeava, repetida e ardorosamente, o nome Krisiun, o conjunto começou a despejar, às saraivadas, os seus clássicos, com a intensidade que lhe é peculiar e conhecida.
Abrindo com Ominous, do álbum Bloodshed, o conjunto mostrou, logo nas primeiras notas, a que veio.
As canções do Krisiun seguem um padrão composicional envolto por peso e altíssimo nível técnico. Alternam-se, no geral, entre velocidade e cadência e, justamente por isso — por essa justeza e por esse equilíbrio –, funcionam muito bem ao vivo.
A música do conjunto possui, no geral, andamentos velocíssimos (capitaneados por Max Kolesne, metralhadora humana), mas, em determinados trechos, cedem espaço à cadência. E, nesses momentos, os arranjos de guitarra ganham destaque, com riffs cortantes e viscerais, além de solos de guitarra executados com precisão matemática.
E esse foi o tom da apresentação, que se sucedeu com petardos como Ravager e Swords into Flesh, emendadas logo em sequência à canção de abertura.
Aparentemente, a banda enfrentou algum tipo de problema ao início da apresentação. Ao que tudo indica, no retorno (ao público, o som estava bem equalizado, mas, aparentemente, especialmente o Moyses, guitarrista, estava com algum problema no retorno do som).
Então, após uma breve pausa e um rápido diálogo do Moyses Kolesne com uma pessoa da equipe técnica, o show retomou regularmente. E assim se manteve até o fim.
A apresentação foi marcada pelos traços característicos daquilo que o Krisiun executa de melhor: heavy metal pesado, rápido e altamente técnico, com canções que, embora ritmicamente velozes, são contrabalanceadas, em sua estrutura, com diversos arranjos cadenciados ao longo de sua execução.
A sincronia da guitarra, especialmente nos solos, com os arranjos mais rápidos da bateria impressiona até aos mais céticos. O nível técnico causa tanto espanto quanto a própria intensidade de sua música. Ou até mais! O Krisiun performa em tom frenético, mas em sincronia com instrumentos que se acompanham harmonicamente ao longo das canções. E, surpreendentemente, o conjunto não erra uma nota! Faz ao vivo exatamente aquilo que entrega nos álbuns de estúdio. Identicamente. Com a mesma precisão e mesma acurácia.
A banda parecia bastante à vontade no palco e, acima de tudo, satisfeita por tocar na cidade, algo repetidamente reafirmado ao longo do show.
O vocalista/baixista Alex Camargo foi bastante comunicativo e, nos intervalos entre as canções, frequentemente se dirigia ao público e agradecia pela presença e apoio. Ainda, enaltecia, repetidamente, a força e a potência do metal nacional, representado, naquela noite, pelo público presente.
Aliás, a presença de palco de Alex é outro traço digno de destaque. Além de frontman com ótima postura — carismático e, como já afirmado, comunicativo –, o cantor é portador de uma voz gutural poderosíssima, potente e robusta, que, ao vivo, não descansa ou titubeia durante o desfile de clássicos. E, isso, do início ao fim! Mais um ponto positivo da apresentação.
O show seguiu essa atmosfera e, aproximando-se do fim — mais precisamente, na antepenúltima música –, o Krisiun, como de praxe nos seus shows, reservou espaço para um cover: o clássico Ace of Spades, do Motorhead, cantada em uníssono pelo público, que não evidenciava sinais mínimos de cansaço.
Após emendar mais duas músicas, tocadas em sequência ao cover de Motorhead, o Krisiun agradeceu, enfaticamente, pela presença do público presente e, então, após aproximadamente 1h10min de apresentação, anunciou o encerramento do show, sob intensa saraivada de aplausos do público, completamente satisfeito.
Apresentação tão pesada quanto tecnicamente precisa.
Antes de o Krisiun deixar o palco, houve, porém, aquela tradicional foto panorâmica da banda, no palco, com o público, ao fundo.
Encerrado o show, a banda permaneceu no espaço do evento para atender ao público que continuou no local.
Pouco após o fim do show, então, Max Kolesne (baterista) e Moyses Kolesne (guitarrista) saíram do backstage e se aproximaram da fila de fãs, já formada àquela altura.
À minha vez de interagir com os dois integrantes, a experiência não poderia ter sido mais positiva e agradável.
Não fui “paramentado” ao show com roupa de banda. Como entusiasta de literatura — algo que não nego –, vesti, para o evento, uma camiseta simples cinza, com a estampa de um discreto desenho de Fernando Pessoa, acompanhada (a estampa) por uma pequena frase de sua autoria (quem tem alma não tem calma)33.
Ao me aproximar de Moyses, ele fitou a camiseta e leu a frase. Em sequência, emendou algo como:
- Fernando Pessoa?
O diálogo, então, seguiu mais ou menos assim:
- Sim, ganhei essa camiseta da minha irmã. Presente de aniversário, há algumas semanas. Gosto muito de Fernando Pessoa e esse foi um dos presentes que ganhei dela. O outro [presente] foi, sem dúvidas, o excelente show de vocês hoje.
- Puxa vida! Muito obrigado! Eu também sou fã de literatura. Adoro ler. Adoro os livros. Leio bastante e sou fã especialmente de literatura brasileira. Parabéns pelo bom gosto por música e por literatura. Qual seu nome?
A conversa seguiu mais um pouco. Falamos, ainda, de música (evidentemente) e de política, tema com o qual a banda tem notório engajamento, sobretudo em defesa de discursos de igualdade e em prol de minorias tradicionalmente oprimidas. Mais um ponto positivo para a banda.
Agradeci, ao final, pelo excelente show. Consegui a desejada foto e, ainda, os autógrafos de ambos — Moyses e Max — na capa do disco. Reforcei ao baterista, antes de sair, que a técnica dele era impressionante e, ao vivo, ainda mais surpreendente (uma pessoa no público gritava ao Max, durante o show, dizeres como bateria eletrônica, comparando a sua velocidade desumana ao trabalho de uma máquina programada).
Pouco depois, o Alex Camargo também saiu do camarim e atendeu aos presentes. Com ele, também consegui uma foto e um autógrafo, além de um dedo de prosa. Alex é carismático não apenas no palco (na sua relação com o público), mas com os fãs, individualmente. Assim o testemunhei. Assim foi a minha experiência na interação com ele.
Enquanto aguardava na fila para falar com a banda, conheci, casualmente, um casal que compõe o zine Mariutti Team (Gustavo Ehrhardt e Sílvia Nascimento). Eles são, coincidentemente, amigos de outros amigos pessoais meus (de São Paulo), e que também compõem o zine Mariutti Team. O mundo é, de fato, muito pequeno.
E assim se encerrou a noite: regada por ótimas conversas, encontros e reencontros, um show surpreendente e, para coroar o fim do domingo, uma agradável interação entre público e a banda, que não deixou a desejar, seja no espetáculo que entregou no palco, seja na educação e no respeito dedicado ao público, presente em massa.
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